Na manhã do domingo imediatamente anterior ao Natal de 2018, em Viena, a caminho da igreja, comecei a cantarolar, dentro do bonde, o tema que viria a se tornar o «Kyrie» da minha Missa Solemnis. Desde então — e já passados quase cinco anos — eu tinha clara a ideia da obra na qual estava trabalhando.
Voltemos ainda mais no tempo. Desde que comecei a compor, ainda na adolescência, sempre coloquei no papel cada tema musical que me vinha à mente. A maioria deles tinha o mesmo destino: uma pasta de manuscritos, que hoje é quase como uma mala de viagem antiga, e que sempre me acompanhou por onde quer que fosse.
De tempos em tempos, abro essa pasta de manuscritos, que é para mim como uma espécie de mina — e com quase todos os sentidos que essa palavra pode comportar. Muitos desses manuscritos, revisitados, foram queimados. Outros, porém, seguem resistindo ao ímpeto e, com alguma frequência, à própria arbitrariedade do autor consigo mesmo. Numa dessas revisitas a esses manuscritos — e já compondo a Missa Solemnis —, encontrei dois temas pelos quais sempre nutri uma espécie de amor platônico; temas que, conquanto escritos por mim mesmo e, em sua essência, musicalmente simples, pareciam-me demandar um desenvolvimento do qual eu não estava à altura. No fim, declarei o meu amor a eles e trilhei o caminho desafiador de dar a melhor forma possível a eles.
Um dos temas, de 2004, deu vida ao movimento «Crucifixus», que é iniciado como um dueto. O outro, escrito originalmente para violoncelo em 2002 — hoje, há exatos 21 anos —, quiçá tenha se tornado a peça mais bela que Deus me permitiu escrever até hoje; essa peça, cujo desenvolvimento, assim sinto, inspira ideias de esperança e redenção, é o último movimento da Missa Solemnis: «Dona Nobis Pacem». É também, para mim, como abraçar a eternidade.