Por que um Guia Politicamente Incorreto da Literatura?
Muitos dos professores que ensinam literatura na faculdade perderam o contato com a realidade e com sua própria matéria. Entre num curso de Letras em uma universidade qualquer e as chances de que você estude teoria marxista ou a história do balé são realmente grandes. Você poderá presenciar uma investigação sobre a pornografia através dos tempos ou, ainda, passar o semestre todo assistindo a filmes estrangeiros. O fato é que o que provavelmente não acontecerá é o ensino da apreciação e do entendimento da grande literatura.
Hoje em dia, parece que os professores de literatura estão ensinando de tudo – da “teoria de gênero” à “cultura popular latina”, passando por Freud –, menos literatura. Professores PC têm estado ocupados substituindo a ótima “influência européia” no catálogo literário tradicional, tida como reacionária, por autores de bestsellers dos anos 80 que abordam todos os temas politicamente corretos. Os departamentos de Letras estão cheios de professores dedicados a eliminar a literatura inglesa, em vez de ensiná-la.
O problema não é apenas que os professores desperdiçam o tempo de seus alunos, o que realmente acaba acontecendo. E não é que eles apenas se esforçam para doutrinar seus alunos numa visão de política esquerdista, para transformá-los em feministas infelizes, cheias de rancor, e recrutá-los para o movimento antiguerra – e tudo isso, de fato, acontece. O grande problema é que eles simplesmente não ensinam literatura inglesa e americana. Afinal de contas, por que um professor PC iria querer que seus alunos aprendessem alguma coisa sobre Chaucer, Shakespeare, Milton e todos os outros importantes representantes da alta cultura européia que figuram no agora catálogo desatualizado da grande literatura em língua inglesa? Na lógica politicamente correta, a civilização ocidental é a razão de todo mal que existe. Por que então os professores de inglês PC iriam ajudar a perpetuar algo assim?
Os departamentos de Letras das nossas universidades foram constituídos para que nossa literatura, nossa herança linguística, fosse preservada e transmitida para as gerações futuras. Nós permitimos, no entanto, que pessoas que odeiam e temem esta herança tomassem conta de tais departamentos. O resultado? Apesar da literatura inglesa e americana oferecer um vasto material para uma aprendizagem profunda, os professores não podem deixar isto transparecer. Este Guia é uma introdução para o que você deveria ter aprendido na faculdade, mas seus professores omitiram.
Este livro ensinará o que todo ser humano bem educado e instruído deveria saber sobre a literatura inglesa e americana, mas – e há um pouco de culpa individual nisso – não sabe: as grandes histórias, as peças incríveis, os versos poderosos e muitas vezes cheios de emoção. Ele dará as ferramentas (outrora ensinadas nos departamentos de inglês e hoje negligenciadas pelos professores PC) que você precisa para aproveitar a literatura ao máximo e aprender com ela o que seria impossível por quaisquer outros meios. O Guia também ensinará o caminho das pedras através do campo minado que é a “teoria literária”, que pode fazer com que você se perca não apenas no que compete à grande literatura, mas a todos os bons frutos da civilização ocidental.
O fato é que, ainda que você faça um curso que tenha “Shakespeare” ou “Faulkner” no título, não há absolutamente nenhuma garantia de que você irá realmente aprender nele alguma coisa sobre literatura inglesa ou americana. Pelo contrário, o professor poderá muito bem fazer uso da literatura para doutriná-lo sobre alguma ideologia que é não apenas indiferente, mas diretamente hostil àquela mesma literatura que você se predispôs a estudar. Os professores não abordarão os romances e peças como grandes obras de arte que falam à humanidade sobre temas de importância universal, mas como artefatos culturais que expõem os privilégios dos homens brancos diante de grupos marginalizados, como as mulheres e as minorias raciais. A visão política do professor (marxismo, “desconstrução”, ou qualquer outra cuja agenda tem origem revolucionária) é o conteúdo em si do que será realmente dado ao longo do curso.
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ohn Dryden, Alexander Pope, Jonathan Swift e Samuel Johnson são os quarto grandes demolidores de toda pretensão, hipocrisia e auto-engano esquizofrênico que perfazem a literatura inglesa. Claro, praticamente toda a grande literatura inglesa e americana foi escrita por homens deste tipo. Mas os quatro escritores cujos trabalhos eram tidos como o que há de melhor nas listas de leitura do século XVIII são, de alguma forma, ainda mais “reacionários” do que quaisquer outros. Eles são em essência politicamente incorretos. Estes grandes e despudorados gênios da sátira apresentavam uma postura que é o extremo oposto da mentalidade PC geradora de eufemismos, clamante por ações afirmativas e criadora do vitimismo. Eles eram campeões absolutos da excelência e zombadores impiedosos da mediocridade. Eles não hesitavam em fazer uso total de seus talentos para, assim, se sobressair. Para eles, nada passava dos limites – desde a religião ou opiniões políticas de um inimigo intelectual até sua obesidade ou doenças venéreas.
O curioso é que três de quatro dos nossos Reacionários eram eles próprios, em alguma medida, inválidos (ou deveríamos dizer “alternativamente válidos”?). Alexander Pope sofrera deformação decorrente de uma doença contraída na infância, que curvou seu corpo e impediu seu crescimento. Ele tinha apenas 1,34 de altura e era constantemente vítima de piadinhas cruéis. Jonathan Swift sofria com tonturas inexplicáveis e passou vários anos preocupado com sua estabilidade mental (isso antes de ficar doente demais para escrever ou mesmo dizer qualquer coisa coerente). Ele foi colocado sob cuidados especiais três anos antes de sua morte. Samuel Johnson, por sua vez, sofria com uma miserável combinação de desordens físicas e mentais que marcaram seu rosto, distorceu sua postura e andar, afetou sua visão e o manteve, durante toda a vida, à beira do que podemos chamar de depressão profunda.
Mas nenhum destes homens esperava piedade ou mesmo tratamento diferenciado. Pelo contrário, eles se mantinham altivos. Eles não agiam como vítimas, nem como sobreviventes. Eles contra-atacavam como uma ferocidade sem precedentes, e o que é o mais extraordinário (levando em conta nossa perspectiva tingida com tons PC), eles nunca tentaram misturar ou mudar os padrões (de normalidade e de excelência) para amenizar a realidade de suas deficiências; eles sequer deixavam transparecer o quão dolorido era viver sob tais condições. Pope, ao escrever para uma moça, que o havia depreciado devido a sua estatura de duende, não nega que ela esteja certa. Ele admite ter “olhos pequenos / Pequenas pernas e pequenas coxas” [e até ali não mencionadas] “outras pequenas coisas / Você sabe onde”. A defesa de Pope (ou melhor, seu ataque fulminante) é a de que é ela quem realmente é pequena, no que importa:
Você, é verdade, tem olhos de boa moça
Pernas alongadas e tentadoras coxas
Mas, importância maior que isso tudo
Tem aquele cara diminuto
Você sabe onde
[You, ‘tis true, have fine eyes,
Taper legs, and tempting thighs,
Yet what more than all we prize
Is a thing of little size,
You know where.]
Da mesma forma, Swift, preocupado com a sua própria sanidade, não evitou a questão do equilíbrio mental devido a um suposto constrangimento. Na verdade, seu maior trabalho trata justamente deste assunto. Swift se destaca ao mostrar como mesmo a ira bem intencionada contra a injustiça e a estupidez da sociedade humana – que ele tão bem conhecia – pode afetar o frágil equilíbrio emocional dos seres humanos. A literatura da Restauração e do século XVIII é caracterizada por um realismo perspicaz. Ler estes Reacionários após dar uma olhadinha na crítica literária feminista e “pós-colonial” é deliciosamente estimulante.
Oscar Wilde morreu em 30 de novembro de 1900, no limiar do século XX. A carreira meteórica deste homem enigmático e paradoxal serve como uma excelente introdução para a história literária do novo século. Wilde alcançou um status sem precedentes enquanto figura pública. Ele era uma espécie de símbolo e evangelista de uma nova atitude mental – algo como uma filosofia de vida, que, no fundo, era uma postura de chamar atenção – que se tornou valorizada na Inglaterra nas últimas décadas do século XIX.
A era da qual Wilde é um ícone é chamada às vezes de “A Era da Decadência”. “Esteticismo” é o nome normalmente dado à filosofia que ele apresentava em seus trabalhos (e brilhantes conversas). Decadentes e estéticos – defensores da “arte pela arte” – estavam reagindo ao moralismo Vitoriano, mas também à confiança no progresso que caracterizou a Era Vitoriana. Tanto a Decadência quanto o Esteticismo, pertenciam a uma série de movimentos “avant-garde”N.T.1 que estavam varrendo as artes na Europa do final do século XIX.
A revolta dos estéticos ingleses contra o moralismo – sua rejeição à ideia de que a arte tem propósitos morais – era, de certo modo, uma centelha ressurgida do espírito romântico perdido na reação vitoriana aos excessos do Romantismo. Wilde estudou em Oxford com Walter Pater, que era uma espécie de guru dos estéticos ingleses. “A arte [de acordo com Pater] se propõe a oferecer nada além de momentos sublimes cujos objetivos são simplesmente os momentos em si”. “Manter esta chama acesa e este êxtase é o sucesso na vida”, ele dizia.
É evidente que o Esteticismo tem raízes românticas, mas é também bastante perceptível que ele é menos ambicioso do que a fé romântica. Os românticos podiam acreditar que seus sentimentos intensos estavam ligados a importantes percepções sobre o homem e a ordenação da sociedade – e que a literatura e as emoções associadas a isto tinham o poder para mudar a sociedade humana para melhor. Os estéticos negavam que a experiência artística tinha qualquer significado além dela própria. Em certo sentido, o esteticismo, a decadência e tantas outras formas de expressão do novo espírito avant-garde eram anti-românticos.
O pessoal que escrevia literatura avant-garde tinha a tendência de viver vidas avant-garde. Paul Verlaine e Arthur Rimbaud, dois poetas “simbolistas” franceses, foram os que mais levaram a coisa às ultimas consequências: o relacionamento deles teve de ser resolvido pela justiça criminal quando (algum tempo depois da obsessão de Verlaine por Rimbaud arruinar seu próprio casamento, acelerando assim seu consumo abusivo de certas substâncias) Verlaine atirou em Rimbaud num surto de ciúme possessivo. Ele acabou sendo preso – tal como aconteceu com Wilde. O modo como Wilde foi para a cadeia é uma história fascinante – daquelas que jogam luz em seu trabalho e na literatura do século seguinte.
Wilde era um dramaturgo brilhante. Sua obra-prima, The Importance of Being Earnest [A Importância de ser Prudente] é uma comédia sobre uma conduta que é hilária ainda hoje, um século depois de ela ter desaparecido do mapa. Mas Wilde começou (e terminou) sua carreira sendo mais famoso pela própria vida do que por sua arte. Após uma passagem de sucesso por Oxford, ele se fixou em Londres como uma espécie de embaixador do esteticismo. Seu estilo excêntrico de se vestir, seu comportamento e sua conversa deram-lhe notoriedade e imitadores.
Por volta dos trinta anos, Wilde começou a escrever peças de sucesso – Lady Windermere’s Fan [Fã de Lady Windermere], A Woman of No Importance [Uma Mulher Sem Importância], An Ideal Husband [Um Marido Ideal] e, por fim, The Importance of Being Earnest [A Importância de Ser Prudente]. Antes de seus sucessos dramáticos, Wilde havia escrito poesia, ensaios, alguns contos de fadas adoráveis (“The selfish Giant”[O Gigante Egoísta], “The Happy Prince” [O Príncipe Feliz]), e um romance extraordinário. The Picture of Dorian Gray [O Retrato de Dorian Gray] é interessante de uma maneira especial; em justaposição com a vida de Wilde, a obra se torna realmente fascinante. Ela foi um axioma do esteticismo de que a arte não deve ter propósitos extrínsecos, que ela não pode ser julgada por padrões de moralidade ou verdades fora de si mesma. As epigramas que Wilde escreveu para Dorian Gray dizem: “Não existem livros morais ou imorais”, e “Toda arte é inútil”. Wilde vai ainda mais longe. Ele fala como se a própria vida devesse ser vista como uma forma de arte e que, portanto, o comportamento humano não deveria ser julgado por padrões morais – apenas por padrões estéticos. É esta doutrina que o Lord Henry Wotton ensina a Dorian Gray.
Dorian encontra o Lord Henry num ateliê de um pintor que estava finalizando o retrato de Dorian Gray. O fascínio do pintor por seu modelo faz Dorian perceber a dimensão de sua beleza. A primeira coisa que o Lord Henry o ensina é temer o que a idade fará com ele. Sob a influência de Lord Henry, Dorian reza para que seu retrato envelheça ao passo que ele permaneça sempre jovem e bonito. E é exatamente isso que acontece: Dorian descobre que o retrato, não ele, começa a sofrer as devastações do tempo – e de suas ações pouco louváveis.
Encorajado ao perceber que por mais debochado e cruel ele se torne, somente o retrato sofrerá as consequências, Dorian vai em busca – sob a influência de Lord Henry e de um “livro venenoso” que dele ganha de presente – dos prazeres mais requintados e proibidos. Dá-se, assim, um pequeno passo da teoria de Pater sobre o êxtase estético que resulta no “sucesso da vida” para a doutrina de Lord Henry de que “Ninguém deveria pagar caro demais por qualquer sensação que seja”. Porém, tal passo é definitivamente um declive.
Apesar de seu caráter esteticista, Dorian Gray é, de fato, um romance moralista vitoriano. Dorian é tão jovem e inocente que é praticamente impossível acreditar que ele poderia se tornar depravado e perverso. Contudo, todos que dele se aproximam são corrompidos e têm suas vidas arruinadas. Seus amigos e namoradas acabam se suicidando, se prostituindo, se viciando em ópio. No final, como era de se esperar, a vida do próprio Dorian termina em ruínas.
No final do romance, Dorian Gray perde uma boa oportunidade de sair da enrascada em que se meteu, ainda que a um alto custo. Dorian percebe que não pode mais consertar sua vida (e reverter os estragos que ele causou a seu retrato) sem confessar publicamente um crime que ele cometera em segredo.
Wilde parece ter decidido que aquilo fazia sentido para si mesmo também. Seu crime secreto acabou sendo exposto e isso aconteceu devido as suas próprias ações. Ele não confessou, mas deliberadamente desencadeou uma série de eventos que – como poderiam ter sido previstos de antemão – o levaram à exposição, desgraça pública e ruína financeira (e ele insiste neste caminho mesmo quando já está claro quais seriam as consequências, e surge uma alternativa). A alegação de Wilde de que ele dedicou sua genialidade a própria vida e apenas seu talento a seus livros nos faz perguntar por que ele deixou que sua vida implodisse daquela maneira.
Seu tombo foi proporcional a sua popularidade, dado que duas de suas peças, Um Marido Ideal e A Importância de Ser Prudente estavam em cartaz na época, em Londres. Apesar de ser casado e ter dois filhos, Wilde se envolveu sexualmente com um rapaz mais novo, o Lord Alfred Douglas. O pai de Douglas, o Marquês de Queensbury, acusou Wilde publicamente de “posar de sondomita” (ele quis dizer sodomita). E Wilde – encorajado pelo Lord Alfred – decidiu que iria processá-lo por difamação. A defesa encontrou vários rapazes prostitutos (e também funcionários de hotel) para testemunhar a respeito dos hábitos sexuais de Wilde. O advogado de acusação retirou o caso e Wilde foi preso por “atentado violento ao pudor”.
Wilde foi julgado duas vezes: o júri, em seu primeiro julgamento, não chegou a um veredicto. Ele acabou sendo condenado em última instância – após deixar passar uma chance de fugir do continente e escapar da prisão – e foi condenado a dois anos de trabalhos forçados. Wilde viveu apenas mais três anos após ser solto; ele se converteu ao catolicismo em seu leito de morte.
De alguma forma, a busca da arte pela arte em si levou Wilde a reconsiderar muita coisa – o universo moral bem definido em que há coisas como livros morais e livros imorais (alguns até “venenosos”), a culpa, a confissão, o arrependimento e, por fim, um tipo de cristianismo bastante tradicional. É notável, de verdade, quantos artistas da avant-garde, que buscaram ultrapassar os limites da experiência humana acabaram voltando correndo, fugindo do que encontraram, para o coração da cultura ocidental e da religião.
Um número impressionante de pessoas que conviveram com Wilde, no teatro moral que ele transformou sua vida, encontraram a religião em seus últimos anos de vida: além do próprio Wilde, Alfred Douglas, e até mesmo o Marquês de Queensbury (um sujeito bastante desagradável e antigo defensor do ateísmo) se tornaram católicos. Joris-Karl Huysmans, o autor de à rebours (“Às avessas”), o livro que serviu de inspiração para o “livro venenoso” de Dorian, também se converteu ao catolicismo – ainda que somente depois do esteticismo e da decadência o terem levado a explorar rituais satânicos. Outro que se converteu foi – chegando até mesmo a ser ordenado padre – foi o poeta John Gray (cujo sobrenome foi usado por Wilde para o personagem Dorian Gray). O tutor de Wilde na Oxford, Walter Pater, que havia perdido sua fé cristã na juventude retornou à Igreja Anglicana no final de sua vida. Aubrey Beardsley, a artista que fez as ilustrações para a famosa edição de língua inglesa de Salome [Salomé], a peça mais picante de Wilde (foi encenada na França e proibida na Inglaterra), era católica quando morreu. E tantos outros decadentes, estéticos e simbolistas seguiram por este mesmo caminho – da avant-garde de volta para um cristianismo conservador.
Nos tempos de Chaucer as mulheres eram (pelo menos teoricamente) sujeitas a todo tipo de constrangimento tradicional com os quais as feministas tentam nos assustar sempre que alguém questiona se o feminismo tem mesmo contribuído para o aumento da felicidade humana: casamentos arranjados, obediência no matrimônio, o controle do marido com relação à propriedade do casal. Porém, tais condições não diminuíram as personagens de Chaucer, como acontece em “O Conto de Aia” ou nos delírios feministas sobre o “apagar” do desejo feminino. Os Contos da Cantuária está repleto de personagens femininas (a Mulher de Bath, entre os peregrinos, para citar um exemplo entre tantos) que escolhem seus maridos ou amantes, são desobedientes, exercem controle sobre o dinheiro do marido e têm um vívido interesse pelo sexo. Há, reconhecidamente, diálogos nos Contos sobre mulheres cuja diminuição da libido é, de certa forma, tipicamente feminina; mas em alguns casos, é só ironia mesmo. O Magistrado explica: “pois, ainda quando as mulheres vivem na castidade, à noite elas precisam aceitar com paciência as coisas necessárias à satisfação daqueles que as desposaram com alianças, deixando de lado, por algum tempo, a sua santidade”.
Chaucer tira sarro do tipo de homem que se deixa iludir de tal forma pela natureza inocente e apaziguadora das mulheres a ponto de achar que elas não irão aguentar o tranco. O velho e ridículo Janeiro no “Conto do Mercador” imagina que seus dotes amorosos irão fazer sua jovem noiva Maio delirar: “Ah”, [ele diz pra si mesmo enquanto olha Maio durante a festa de casamento], “pobre criaturinha! Que Deus lhe dê forces para suportar todo o vigor do meu desejo, tão agudo e penetrante! Tenho muito medo de que você não o aguente.” Porém, Maio não fica muito impressionada. Depois de uma longa festa de casamento – em parte graças às pimentas (o equivalente medieval do Viagra) que Janeiro engoliu para aumentar sua “coragem” – o velho senta na cama e começa a cantar. Enquanto o faz, a pele fina em volta de seu pescoço treme e o narrador nos conta o que sua noiva, vendo-o nestas condições, pensa em suas habilidades amorosas: na opinião dela, não passa de um “grão de feijão.”
A pobre criatura que Janeiro está tão preocupado em não machucar está muito mais interessada em Damião, um jovem escudeiro. Num dado momento Janeiro fica cego e passa a manter Maio ao seu lado constantemente devido ao ciúme. Mas ela consegue primeiramente fazer com que Damião se esconda num jardim cercado de propriedade de Janeiro, então convence Janeiro a levá-la ao local para fazerem um piquenique e lá pede sua ajuda para subir no pé de pêra para colher algumas frutas – onde Damião está esperando para tirar vantagem da situação. Infelizmente para os amantes, Janeiro recupera sua visão no pior momento possível. A forma como Maio consegue convencer seu marido a acreditar na sua versão dos fatos e não nos seus próprios olhos é inacreditável; é preciso ler o próprio Chaucer relatando os fatos para extrair o máximo deste delicioso retrato da capacidade de manipulação feminina – e mais do que isso, de sua autoconfiança serena – num momento complicado.
Os contos de Chaucer estão repletos de mulheres cheias de artimanhas que parecem bastante competentes ao lidar com os homens em suas vidas, apesar das desvantagens com as quais elas de deparam. A superior força física de seus maridos, a propriedade de todos os bens do casal e a posição de chefes absolutos da família (com o direito de exigir a obediência de suas esposas, respaldado pelo apoio religioso à autoridade dos maridos) – nada disso parece ser páreo para a esperteza psicológica e verbal das mulheres.
Mas nem todos os casamentos em Os Contos da Cantuária são conduzidos nessa linha de guerra dos sexos e sobrevivência do mais forte. Outra coisa que os alunos de literatura inglesa poderiam aprender com Chaucer – se um número maior de pessoas estivesse estudando sua obra – é o valor do cavalheirismo, o único acordo entre os sexos exclusivamente ocidental.
As feministas, claro, querem fazer acreditar que colocar as mulheres no pedestal é, no fundo, uma forma de diminuí-las. A cortesia que notabiliza as mulheres para uma atenção especial e respeito por parte dos homens é supostamente uma ferramenta traiçoeira para mantê-las subordinadas a eles. Mas o respeito e a liberdade extraordinários de que as mulheres desfrutam no mundo ocidental são difíceis de explicar de acordo com esta crítica feminista ao cavalheirismo. É no Ocidente que – por séculos – um homem só é visto como homem de verdade se ele trata bem as mulheres. Se a cortesia ajudasse a escravizar as mulheres, nós deveríamos ser menos livres onde ela predomina e não mais.
E isso nós podemos ver na literatura da Idade Média. O surgimento do cavalheirismo no ocidente é uma mostra que a declaração contundente de Shelley de que “os poetas são os governantes não reconhecidos do mundo” parece ser literalmente verdadeira. O cavalheirismo não surgiu como um ideal para a vida a dois, no casamento, e muito menos como um conjunto de regras a ser praticado por todos os homens com relação a todas as mulheres. Nos tempos de Chaucer, o cavalheirismo era mais uma novidade literária do que uma característica difundida na sociedade. Podemos captar o quanto tal conceito era novo no “Conto do Escudeiro”, em que o próprio se veste e se comporta de acordo com estas últimas tendências, e fala de amor como algo conhecido apenas pelos inteligentes. O escudeiro nos assegura, “um homem insípido nem sequer seria capaz de retratar; para isso, é preciso que também o narrador conheça o amor e os seus ritos, e tenha a jovialidade do viçoso mês de maio”
O amor lisonjeiro era a princípio praticamente um hobby, um tipo de jogo para a classe alta desocupada. O que inspirou tal dinâmica pela primeira vez é desconhecido. Mas sem sombra de dúvidas, o amor cortês nunca teria surgido sem o cristianismo: a Virgem Maria foi certamente importante e teve um papel central no seu desenvolvimento, assim como a insistência cristã com relação à monogamia e a castidade masculina, pois ambas tendem a elevar a mulher. Aliás, o amor cortês tem também algo a ver com o sistema de organização feudal da Europa medieval, que, por sua vez, foi forjado no velho código de lealdade entre o guerreiro bárbaro germânico e seu senhor.
As regras do amor cortês são mais claras do que suas origens. Na sua concepção original, elas nada tinham a ver com o namoro num sentido geral. O amante lisonjeiro não tinha por objetivo o casamento, mas sim uma ligação adúltera com alguma mulher muito acima dele, quase que certamente para além de suas possibilidades. O fato de a mulher ser casada contribuía para a situação desesperadora (ou quase desesperadora) de sua paixão. O amante côrtes era escravo de sua senhora. Ele era mortalmente atingido por sua beleza e somente sua benevolência poderia salvá-lo. Numa atitude de humildade completa, o amante implorava para que a mulher tivesse pena dele para que ele não morresse de amor por ela.
Contudo, o que Chaucer nos mostra em Os Contos da Cantuária não é o amor lisonjeiro na sua forma pura, mas escorrendo por toda a sociedade e especialmente em direção à instituição do casamento. Não é difícil perceber porque o trato humilde do amante cortês – uma vez inventado – é algo que as esposas (especialmente uma esposa da era medieval, que prometeu obediência) gostariam de ver em seus maridos. E é isto que Chaucer nos mostra em seus contos: mulheres que vêem a cortesia como uma grande melhoria, em comparação com o tradicional pré-cavalheirismo nas relações entre homens e mulheres. Do nosso ponto de vista, o que realmente fascina na junção do amor cortês com o casamento é a distância que há entre a instituição resultante – que nós podemos chamar de casamento cortês ou lisonjeiro – e o ideal moderno inspirado no feminismo: a igualdade no casamento.
Pegue, por exemplo, casamento cortês ideal de Dórigen e Arverágus no “Conto do Proprietário de terras”. Dórigen parece ter o que a velha do “Conto da Mulher de Bath” diz ser o mais profundo desejo das mulheres: a supremacia com relação a seus maridos tanto quanto com relação a seus amantes.
Dórigen é um pouco impaciente com o amor cortês em sua forma clássica. Quando um jovem escudeiro chamado Aurelius cria coragem para expressar sua paixão secreta por ela, ela diz que ele está fazendo papel de bobo. A seu modo feminino prático, ela não entende o que está acontecendo: Que graça pode achar um homem em amar a mulher de outro, que possui seu corpo sempre que quiser?
Mas o casamento de Dórigen com Arverágus parece não ter surgido de forma tão prática assim. Arverágus conquistou o amor de Dorigen, e sua mão em casamento, justamente através do tipo de sentimento e comportamento que um amante tem para com sua inatingível amada na tradição do amor lisonjeiro. Arverágus “de tudo fazia para servir da melhor maneira à dama de seu amor, realizando muitos feitos e grandes façanhas a fim de conquistá-la”. E finalmente ela se compadeceu dele – devido ao seu valor, e também por causa de sua reverência para com ela. E assim os dois chegaram a um acordo. Ela aceitou tê-lo como seu marido e seu senhor. E ele concordou com jamais usar sua autoridade de marido para fazê-la agir contra sua vontade. Ele a obedecia em tudo, como qualquer amante faria por sua amada, ainda que mantivesse as aparências de domínio enquanto marido. A generosidade de Arverágus enquanto marido inspira Dórigen a prometer ser uma esposa dócil: “Palavra, senhor, que hei de ser uma esposa dócil e fiel enquanto palpitar meu coração” e o proprietário de terras nos conta “assim viveram ambos tranquilos e sossegado”.
O ideal moderno de casamento, vendido para nós pelas feministas, é que ninguém deve obedecer ninguém em um casamento. Poder e hierarquia, elas dizem, podem ser deixados de lado por completo; homens e mulheres podem se relacionar em pé de igualdade. Tudo ligado ao sexo pode ser negociável dado as fantasias de cada um: não há regras fixas para homens e mulheres, e os termos de um relacionamento podem ser revistos, se necessário, para acomodar as mudanças sentimentais dos envolvidos. As relações devem durar enquanto as partes acreditam que estão tendo suas aspirações e necessidades individuais satisfeitas.
A mentalidade medieval era mais hierárquica do que igualitária e mais comunal do que individualista. As pessoas da Idade Média acreditavam que os relacionamentos requerem uma estrutura hierárquica para que possam existir (daí a necessidade de obediência em qualquer comunidade religiosa).
Eles também tinham mais respeito pelo poder inerente do sexo do que nós. O mantra feminista “estupro não tem a ver de sexo; tem a ver de poder” não faria qualquer sentido para eles. O sexo em si mesmo claramente tem a ver com o poder em Os Contos da Cantuária – e não apenas no que compete ao poder dos homens sobre as mulheres ou vice-versa. Há algumas disputas de poder terríveis nos Contos entre jovens e velhos (“O Conto do Mercador”), o bonito e o feio (“O Conto do Moleiro”), o sádico e o paciente (“O Conto do Estudante de Oxford”), o poderoso e o fraco (“O Conto do Médico”), o esperto e o burro (“O Conto do Feitor”). As pessoas da era medieval encaravam a experiência sexual como algo que tinha o poder de mudar as pessoas para sempre. E, vivendo antes da invenção da contracepção efetiva, eles obviamente tinham mais dificuldades do que nós para esquecer o poder de procriação do sexo.
Existem algumas desvantagens óbvias no aspecto de igualdade da relação sexual moderna. Ela não possibilita a conexão entre as pessoas (homens e mulheres, filhos e pais) de forma tão satisfatória quanto o casamento tradicional. Além disso, está cada vez mais claro que as mulheres estão em desvantagem competindo pelo que elas querem, no que se refere ao amor e ao sexo, em absoluto pé de igualdade. Para começar, nós somos férteis e sexualmente atrativas por um período de tempo menor do que os homens. A única argumentação a favor do modelo de igualdade, apesar de suas falhas miseráveis, é que não há nenhuma alternativa aceitável. Nós realmente queremos (as feministas perguntam) voltar aos velhos tempos, em que homens tinham todo o poder e as mulheres eram suas escravas?
Os Contos da Cantuária mostra que já ouve uma alternativa – o cavalheirismo, quando começou a ser aplicado ao casamento, era algo diferente do ideal tradicional de obediência no casamento por parte da esposa, e diferente também da panela de pressão que resulta na guerra dos sexos. O casamento cortês que Chaucer relata em “O Conto do Proprietário de terras” não se trata do arranjo tradicional em que os homens comandam e as mulheres ou obedecem ou utilizam de subterfúgios para enganar. Nem se trata também de igualdade. Trata-se na verdade de ajuda mútua, obediência e compromisso. Não pretende fazer parecer, como nós fazemos às vezes, que homens e mulheres são completamente iguais, ou que as pessoas possam viver um relacionamento sexualmente ativo sem que haja qualquer forma de doação – ou mesmo sem que haja uma influência mútua.
Nós achamos que ninguém pode ser obediente para amar. No casamento cortês, ambos, marido e mulher, devem. O casamento cortês está mais pautado pela doação e obediência do que o casamento tradicional.
Exatamente porque Arverágus mostra a Dórigen que ele a servirá e a obedecerá enquanto seu parceiro, ela pode confiar nele o suficiente para ser sua esposa. Ele é o “marido servil e senhor do casamento”, e ambos se comprometem a ter paciência um com o outro, e assim são recompensados com a felicidade. Um esquema muito parecido com este (de o homem tratar sua esposa com o respeito e cortesia dignos de uma dama enquanto ela respeita sua autoridade) era o ideal vigente para o que se considerava um bom casamento no mundo ocidental até… bem, até as feministas nos convencerem de que o cavalheirismo era somente uma ferramenta para oprimir as mulheres. Por que as professoras de literatura feministas iriam querer que a gente aprendesse algo a esse respeito?
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